sábado, 10 de maio de 2008

Jornal Futura

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Cena 11 - As marcas do humano



Estou lendo o livro "As marcas do humano*", de Angel Pino. O autor toma como base a “lei genética geral do desenvolvimento cultural” de Vigotski – pela qual se entende que enquanto as funções biológicas se inscrevem nas estruturas genéticas da espécie, as funções culturais – ou “funções psicológicas superiores” - passam por outra via: a da história social dos homens, para estruturar seu livro, a meu ver, de forma lúcida, ampla e com ritmo delicioso.



A sensação é que o autor faz das 268 páginas de “As marcas do humano” um ambiente narrativo, no qual em tom de conversa, puxa uma cadeira e te convida para ouvir histórias, pontos de vista e conceitos que não apenas apontam as especificidades do ser humano em relação aos outros animais, mas que organizam e sistematizam o nosso entendimento para tal diferença.

Haveria um “momento zero cultural”, no qual o ser humano – a criança, o bebê - ainda estivesse sob o jugo do biológico, antes da sua virada para o universo dos símbolos e manifestações culturais? Pode-se falar em duplo nascimento, um biológico e outro cultural? Em caso positivo, quais seriam os fatores intervenientes para essa passagem? O interesse pela investigação sobre como “de simples ser biológico a criança se torna um ser cultural semelhante aos outros homens” é grifado por Pino como o norte do seu trabalho.


O autor parte de um aparente paradoxo: o bebê humano não deveria ser mais ‘esperto’ do que as espécies precedentes? Por que se constitui como extremamente dependente do Outro, especialmente dos pais, para sua sobrevivência? Pesquisas mostram que para a realização de atividades que requeira ‘inteligência prática’, a criança apresenta desvantagem em relação ao bebê símio até o momento da constituição da fala – veículo para o desenvolvimento das funções superiores, sua vantagem evolutiva em termos culturais.


Para responder a esta questão sobre a relação entre as funções biológicas e culturais no humano, Pino aumenta a lente de análise e espirala uma viagem pelo tempo e por interpretações que diferentes áreas do conhecimento ofereceram. As cinco perguntas que justificam seu envolvimento são: “Quando e como ocorre o nascer cultural da criança? Como opera a mediação do Outro nesse nascimento? Como se dão, na ausência da fala, os primeiros contatos do bebê com a cultura? Como ocorre a conversão da cultura em “material” constitutivo do ser cultural da criança? O que ocorre com as funções naturais ou biológicas sob o impacto da cultura?” (p.55)


Se a chave está na mediação semiótica, na capacidade de simbolizar e na riqueza da linguagem, os espetáculos do "Grupo Cena 11 Cia de Dança" voltam aos meus sentidos como impacto e surpresa, susto e celebração. As marcas do humano estão lá, expostas e purgando, ora pela dor, ora pela harmonia dos movimentos no contato com o Outro.


* PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005

* Foto: Fernando Rosa. Bailarina: Letícia Lamela